DEPUTADA AO PARLAMENTO EUROPEU

EUROPA COM CORAÇÃO

Jovens agricultores: a esperança e a responsabilidade que nos deve inspirar

Costumo dizer que os números são como o algodão: não enganam. Em 2020, cerca de 58% dos gestores agrícolas na Europa, tinha pelo menos 55 anos e apenas 1 em cada 10 agricultores, tinha menos de 40 anos. Em paralelo, existe uma proporção relativamente elevada de agricultores com mais de 65 anos e que no nosso país representam mesmo metade do conjunto dos agricultores.

 

 

Falamos de níveis de renovação geracional preocupantes no quadro global da UE, e poderemos mesmo falar em riscos para a sustentabilidade social, económica e ambiental das zonas rurais. Isto representa uma ameaça à coesão territorial, uma ameaça à autonomia e segurança alimentar, uma ameaça à prosperidade do setor agrícola, e uma ameaça clara à sobrevivência da agricultura familiar.

 

 

Tendo presente esta realidade, não posso deixar de olhar com particular emoção para o grupo de 20 jovens que ontem recebi no parlamento Europeu a meu convite. É que estes jovens que aqui vieram são todos, sem exceção, agricultores! Poderia ainda acrescentar que estão, para mais, num dos setores que tem enfrentado contínuos desafios ao longo dos anos, o setor da produção de leite. Se o leitor os pudessem ouvir, partilhando o estado dos seus projetos, as suas ambições, mas também as suas preocupações e incertezas, estou certa de que se seria invadido por dois sentimentos, um de esperança e outro de responsabilidade. A esperança emana claramente do entusiasmo genuíno que estes jovens, como outros jovens agricultores que tenho conhecido em Portugal e na Europa, revelam na sua relação com a agricultura. É um bálsamo vermos jovens que se sentem orgulhosos das suas raízes rurais, do modo de vida dos seus pais, e que simultaneamente já possuem novas ferramentas e novos conhecimentos que lhes vão permitir aplicar novas visões de negócio às suas explorações, fazendo caminho numa agricultura mais competitiva, modernizada, adaptada a novas preocupações ambientais e de bem-estar animal. Eles são no presente tudo o que queremos para o futuro do mundo agrícola e isso só pode ser bom!

 

 

Como tantas vezes dito, mais do que uma profissão, a agricultura é um modo de vida, é uma paixão. A agricultura não é território de meio termo; é chão de entrega absoluta, porque as exigências que lhe estão inerentes (independentemente das exigências adicionais decorrentes das conjunturas económicas, políticas e sociais) são muitas e são contínuas. E daqui decorre, a meu ver, o segundo sentimento que nos invade, ou que, pelo menos de um ponto de vista moral, nos deverá invadir: o de responsabilidade. E que pode ser traduzido numa pergunta: como assegurar que estes jovens mantêm o seu entusiasmo e a sua entrega à atividade agrícola? Por outras palavras, com o mesmo sentido, como assegurar que este modo de vida não defrauda as suas expectativas e se consolida, isso sim, como opção vencedora, que lhes garanta um rendimento justo e digno? Como assegurar que as suas histórias de sucesso assim se manterão, servindo de exemplo vivo para estimular a vinda de muitos mais jovens para a agricultura?

 

 

Estas são em boa verdade as questões de fundo que me acompanham no trabalho que tenho estado a desenvolver no âmbito do relatório que me foi atribuído no Parlamento Europeu sobre a Renovação Geracional no explorações agrícolas do futuro.
Do que pude até agora observar, há no Parlamento Europeu um consenso bastante amplo quanto ao reconhecimento dos múltiplos obstáculos (ou desafios se preferirem) que os próprios jovens agricultores identificam: escassez e acesso às terras, problemas de sucessão, acesso ao crédito bancário, mobilidade, acesso à banda larga, disponibilidade de serviços essenciais, ofertas de ensino ligadas ao setor e formação profissional, recursos para aconselhamento e acompanhamento técnico e gestão de negócio, participação e liderança jovem em estruturas associativas e cooperativas, etc.

 

 

Há também uma ampla concordância sobre a necessidade de ação, mesmo se depois existam divergências, naturalmente compreensíveis, sobre o modo como cada um de nós entende que deva ser o rumo dessa ação. Mas ela tem de existir, e tem de implicar seguramente respostas por parte das políticas públicas europeias e nacionais, que sejam muito mais inovadoras, mais imaginativas, menos burocráticas, mais integradas, mais sinergéticas, com mais visão de conjunto e de longo prazo. Eu acredito que esse caminho pode (e deve) ser traçado, vendo do presente relatório que tenho em mãos uma oportunidade, mesmo se modesta, de fazer parte de um contributo sério para o futuro da nossa Agricultura.