DEPUTADA AO PARLAMENTO EUROPEU

EUROPA COM CORAÇÃO

CELEBRAR A MULHER RURAL

Celebrou-se ontem o Dia Internacional da Mulher Rural. Proclamado através da Resolução 62/136 adotada na Assembleia Geral das Nações Unidas em Dezembro de 2007, o dia 15 de Outubro é desde 2008 o dia que recorda o papel matricial das mulheres na sustentação do mundo rural, e que serve igualmente para sublinhar os muitos desafios que estas mulheres ainda enfrentam no seu quotidiano.

 

 

Talvez valha por isso começar já por recordar, hoje, Dia Mundial da Alimentação, que as mulheres representam 43% da mão de obra agrícola mundial, estando assim na base de quase metade da produção de alimentos! Este facto, só por si, deveria ser o bastante para despertar todas as consciências sociais e políticas para a centralidade da mulher rural na vida de todos nós. Infelizmente, o cenário global revela ainda a persistência de padrões de subvalorização do seu trabalho. Se não vejamos: a nível mundial, e de acordo com as Nações Unidas, menos de 20% dos proprietários rurais são mulheres, e os rendimentos auferidos por mulheres nas zonas rurais chegam a ter diferenças de 40% em relação aos dos homens para igual trabalho.

 

 

Em muitas partes do mundo, as mulheres rurais continuam a ter os mais baixos níveis de escolaridade e a desempenhar as tarefas menos qualificadas.

No que toca a direitos reprodutivos, cerca de 30% das mulheres rurais no mundo dão à luz sem acompanhamento médico especializado. E é a elas que compete ainda em muitos locais, a árdua tarefa de garantir água potável nas suas casas. Num país como a Serra Leoa, por exemplo, entre 5 a 7 horas semanais das mulheres, é gasta na tarefa de ir buscar água, algo simplesmente inimaginável no contexto das nossas sociedades.

 

 

Também são as mulheres rurais as que mais sofrem com a falta de investimento na sua educação e literacia. As Nações Unidas indicam que, em média, apenas 2% das mulheres que habitam as zonas rurais de países em vias de desenvolvimento, chegam a completar níveis de ensino superiores ao ensino secundário. E também no acesso à informação, às comunicações e à tecnologia, não esqueçamos que uma parte significativa dos 3.7 biliões de pessoas que não têm acesso à internet são precisamente mulheres na sua maioria em contexto rural.

 

 

É claro que o mundo rural é feito de muitos matizes, e o panorama na Europa está longe de ser parecido com as realidades da América Latina ou de África. Mas não deixa de revelar também muitos desafios. Em 2016, na União Europeia por exemplo, cerca de 4% das mulheres com atividade agrícola (que obviamente não correspondem à totalidade das mulheres rurais, mas que não deixam de ser parte considerável desse universo) tinha menos de 40 anos, ao passo que cerca de 42% tinha 65 anos ou mais. O envelhecimento da população rural é um facto, mas o das mulheres reveste-se de particular gravidade, pois quando as jovens mulheres abandonam os espaços rurais, é mais do que certo que não haverá renovação geracional no futuro desses espaços.

 

 

Em paralelo, as mulheres idosas do mundo rural quase sempre têm pensões de reforma mais baixas, quando existentes, o que por sua vez tende a refletir o modo como foram tratadas ao longo de toda a sua vida produtiva, mal remunerada, quando não raras vezes integrada numa economia familiar e informal que não lhes garantia rendimento próprio, nem autonomia financeira.

 

 

Volto a dizer, os matizes são muitos, e ser mulher rural na Áustria é seguramente muito diferente de ser mulher rural na Roménia, e sê-lo em Portugal também é diferente de sê-lo na Irlanda. E assim sendo, de modo algum este brevíssimo retrato pretende ser exemplificativo das especificidades de cada um destes mundos rurais no feminino. Mas há certamente pontos em comum. Alguns objetiváveis, e outros que estão muito para lá da linguagem dos números e das estatísticas. Por exemplo, uma espécie de tranquilidade que apenas quem domina a linguagem profunda da terra e dos animais, dos ciclos e mistérios da natureza, consegue ter e que transparece no rosto, nos gestos, no olhar. E não é preciso ir longe para encontrar exemplos desses rostos. Isabel Silva, orgulhosa agriculto- ra de minifúndio herdado de gerações, cultivadora atenta e dedicada de pequenas maravilhas, entre as quais as laranjas de Amares, pequenos sóis de doçura e acidez perfeitas: é ela que ilustra esta crónica. E é para ela, para todas as mulheres rurais anónimas, para tantas ainda presentes na vida dos nossos leitores (como mães, como avós) que dedico este texto.